Filme “O Enigma de Kaspar Hauser”: vítima do isolamento social

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O Enigma de Kaspar Hauser, lançado em 1974, é um filme muito premiado. É um clássico da literatura, trazido às telas pelo diretor alemão Werner Herzog!

Filme "O Enigma de Kaspar Hauser": vítima do isolamento social
Imagem: Divulgação

O filme conta a história dramática de um menino que até os 15 ou 16 anos de idade foi vítima do isolamento social. Ele vivia num cativeiro, numa cela ou masmorra, na zona rural da cidade de Mittelfranken, na Alemanha.

Kaspar não tinha contato físico ou verbal com nenhum outro ser humano. Sem acesso ao aprendizado de uma língua, ele também era incapaz de elaborar pensamentos e de interpretar o que acontecia à sua volta.

A história conta que, em 26 de maio de 1828, Kaspar foi encontrado no centro da cidade, com uma carta em suas mãos. A mensagem na carta explicava um pouco da sua vida. Entretanto, permanece desconhecido o motivo pelo qual ele havia sido aprisionado quando criança. Como também o porque de ter sido solto quando jovem. Porém, sabemos que ele conseguiu falar e escrever. Também começou a agir de forma social. Tudo isso só foi possível porque ele passou a receber estímulos adequados.

Em dezembro de 1833, Kaspar Hauser foi assassinado com uma facada no peito, nos jardins do palácio de Ansbach. Acredita-se que a sua morte foi encomendada por uma universidade, que desejava estudar seu cérebro. Tudo isso para tentar explicar o fenômeno da privação da linguagem. Além disso, desejavam entender sobre a capacidade humana de aprender, quando em convívio social.

Comparando Kaspar Hauser com o surdo.

Aqui fazemos uma analogia da vida de Kaspar, com a vivência de uma criança surda. Isso porque, guardadas as devidas proporções, ambos estão privados das interações sociais. E isso acontece pela falta de acesso a uma língua. Sabemos que é o conhecimento gerado pelas interações sociais, confrontados com novas experiências, que gerarão novos conhecimentos. Num espiral constante.

Os estudiosos de Kaspar Hauser facilmente chegaram a essas conclusões. A mente humana armazena conhecimento e o utiliza na vida prática. Privado de uma língua e da interação comunicacional com o outro, como viverá o sujeito, seja ele surdo ou ouvinte? O isolamento social, na mais tenra idade, provocou em Kaspar, e provoca na criança surda, essa inabilidade para a vida.

Que estratégias cognitivas podem desenvolver um surdo que não recebeu estímulos adequados? Qual leitura de mundo ele será capaz de fazer? O comprometimento do aparato cognitivo pode ser revertido? A resposta é sim, desde que haja estímulos adequados. Não foi exatamente isso que aconteceu com Kaspar Hauser?

Privação comunicação dos surdos.

Sabemos que a famosa fase do “porque”, que a criança ouvinte usa para organizar seus pensamentos, é vetada à criança surda. Nesse caso, em que um surdo se diferenciaria de Kaspar Hauser? É por isso que, em benefício do nosso  aparato cognitivo, todos nós precisamos do acesso precoce a uma língua.

Felizmente a privação comunicacional acontece cada vez menos com a criança surda, no nosso país. Isso vem se tornando realidade porque a Língua Brasileira de Sinais tem sido difundida, respeitada e aceita como língua natural da comunidade surda. Óbvio que surgirão vozes defendendo o oralização do surdo. Essa é uma outra discussão que não desejamos abordar agora, neste texto. Fica para outra oportunidade.

Libras é a língua de comunicação e expressão dos surdos.

Levantamos aqui a bandeira da Libras, por entendermos que ela é tão eficiente quanto qualquer outra língua. Além disso, ela é muito mais confortável para o surdo moderado e profundo, que percebe e lê o mundo pela visão.  Assim, lembramos que Libras é considerada a língua materna dos surdos. E a sua segunda língua é o português.

Sim, Libras é uma língua! Ela foi reconhecida por Lei como língua de uso da comunidade surda brasileira. Ela é o meio legal de comunicação e expressão dos surdos do nosso país. Portanto, vamos respeitar e defender?

Sinopse do filme “O Enigma de Kaspar Hauser”

“Um homem jovem chamado Kaspar Hauser (Bruno S.) aparece de repente na cidade de Nuremberg em 1828, e mal consegue falar ou andar. Além de portar um estranho bilhete. Logo é descoberto que sua aparição misteriosa se deve ao fato de que ele ficou trancado toda sua vida em um cativeiro, desconhecendo toda a existência exterior. Quando ele é solto nas ruas sem motivo, muitas pessoas decidem ajudá-lo a se integrar na sociedade. Mas rapidamente Kaspar se transforma em uma atração popular.”

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7 comentários em “Filme “O Enigma de Kaspar Hauser”: vítima do isolamento social

  1. Obrigado pelo excelente artigo. Gostaria de fazer uma correção. A Lei 10.436/2002 apenas reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio legal de comunicação e expressão dos surdos no país e completou 20 anos em 2022 sem que a Libras tenha sido adotada como segunda língua oficial do país. Explica a Wikipedia: “embora o Brasil tenha reconhecido a Língua Brasileira de Sinais em 2002, ela não é oficial, pois não existe tradução juramentada para língua de sinais, nem papel timbrado, ou documentos em língua de sinais. Portanto, embora reconhecida, a Libras não é oficial e nem é o segundo idioma do Brasil”.

    1. Obrigada Denis, por sua contribuição. Estamos atentos a essa informação e já corrigimos nos textos seguintes. Vou revisitar o texto citado e atualizar. mais uma vez, muito obrigada.

  2. Mas qual seria o “enigma” de Kaspar Hauser? Apenas uma interrogação sobre a “mente” dele, ou algo ligado a filosofia da linguagem? Tem cenas importantes no filme sobre isso…

    1. Obrigada por sua contribuição. O filme permite uma gama enorme de reflexões. Numa abordagem filosófica podemos questionar o que é a linguagem e como ela se forma. Este fenômeno se dá apenas a partir das interações sociais? O interesse pelo estudo do cérebro de Kaspar nos remete a uma questão mais biológica. Ele seria do tamanho normal? Qual a função das sinapses? No Kaspar elas foram comprometidas por causa do isolamento social? Psicologicamente podemos indagar sobre suas emoções. Seria ele uma mente depressiva, apática, psicótica? Kaspar viveu em isolamento e apareceu morto. Porque? Esses enigmas são difíceis de decifrar.

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