O piloto surdo João Paulo Marinho, mais conhecido como João Avião, é pioneiro na profissão no Brasil. Com 31 anos, nasceu em Maceió – AL, mas atualmente mora em Nova York. Formado também em Ciências da Computação, segue na luta pelo direito de poder pilotar aviões comerciais como qualquer outra pessoa qualificada!
- Conte um pouco da sua história. Como descobriu a surdez, como sua família lidou com isso, quais as barreiras que teve que enfrentar…
Olá! Prazer em conhecer vocês. Bom… Quando minha mãe estava grávida, ela teve rubéola. Eu nasci surdo, mas meus pais só perceberam quando eu tinha quase dois anos. Minha família sofreu demais. Eles ficaram preocupados porque eu teria que usar aparelhos, que são muito caros. E porque pensaram que eu sofreria na escola. Então eles queriam que eu fosse oralizado. Minha família ficava pensando no que seria melhor para mim. Nós morávamos em Maceió e faltava muita informação, antigamente. Em São Paulo já era melhor, naquela época. Minha família foi muito boa para mim. Se esforçou muito. Procurou aparelhos, também escola especial, onde as pessoas usavam LIBRAS. Era uma escola particular, mas eles conseguiram pagar.
Eles não tem preconceito contra a LIBRAS. Também tentavam aprender, mas era difícil a comunicação. Eu tenho duas irmãs ouvintes, mas sempre a atenção era focada em mim, porque para mim era mais difícil. Eu era o único surdo da família. Ouvinte não precisa tanto de atenção quanto o surdo, por causa dessa dificuldade de comunicação. É muito difícil. Eu tenho 31 anos, já me formei em Ciência da Computação e fiz o curso de piloto de avião. Agradeço à minha família por ter acreditado em mim, porque sou surdo e é difícil a sociedade aceitar. Falta muita coisa ainda. No trabalho, na escola…
- Qual o impacto negativo, mas também os reflexos positivos derivados do fato de ser surdo?
Tem lado negativo e positivo, sim. O governo às vezes ajuda um pouco e há lugares com alguma acessibilidade. Mas poucas pessoas conhecem a cultura surda ou tem a cabeça aberta. A maioria não sabe Libras. Pensam que é difícil aprender. Eu sempre explico que é outra língua, que é igual aprender inglês. Às vezes, um ouvinte me chama e fica constrangido quando falo que sou surdo. A sociedade ainda não conhece o surdo. Infelizmente, o Brasil ainda não desenvolveu muito em relação à surdez.
- Você nasceu em Maceió. Onde você mora, agora?
Eu moro em Nova York, nos Estados Unidos. Aqui é muito melhor. A acessibilidade é muito diferente do Brasil. Tem o vídeo-fone! Parece até com a SignumWeb. Quando o surdo precisa ir ao médico ou pedir uma comida, por exemplo, usa o vídeo-fone do governo de graça. São 50 estados que têm essa acessibilidade. A comunicação é muito importante. Já liguei na ONU e foi muito legal a comunicação. Aqui eles usam a Língua Americana de Sinais e eu sei um pouco.
- Como você lida com a surdez? Você teve que enfrentar preconceito?
Já sofri muito preconceito. É difícil. É impossível ficar feliz com isso, mas já me acostumei. Eu nasci surdo. É a minha história. Alguns surdos ficam nervosos. Mas eu falo que os surdos precisam se esforçar, trabalhar, lutar. Tem que ter força de vontade. Os surdos têm direitos também e têm capacidade igual a qualquer outra pessoa.
- Como começou a sua história no mundo da aviação?
Quando me formei, foi um marco histórico na aviação brasileira. Todo mundo ficou assustado, tanto surdos como ouvintes. Não foi facil. Eu me esforcei muito. Comecei, junto com a FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos) a lutar no Ministério Público, porque no Brasil ainda é proibido um surdo pilotar, mas parece que vão liberar no ano que vem. É preciso mudar isso, porque existem tecnologias para ajudar o surdo. A justiça sabe disso. Tem essa briga na justiça. É preciso apressar a justiça para que aconteça essa mudança. No avião tudo é muito visual. E o surdo presta muita atenção. Ele tem foco. Por isso acho que vão liberar.
Aqui nos EUA, eu posso pilotar pequenas aeronaves, aviões simples, com motor pequeno e no máximo 6 passageiros. Mas ainda não posso pilotar profissionalmente. Estou trabalhando em um projeto, a ANAS – Associação Nacional de Aviação de Surdos, para mostrar para a ONU que precisa respeitar e liberar. Tem outras pessoas envolvidas, mas eu sou o único brasileiro. Aqui nos Estados Unidos, percebi que quando um surdo quer uma coisa, pergunta para o ouvinte. Eles se preocupam com a opinião do ouvinte, veem o que o ouvinte faz e copiam. Felizmente, no Brasil isso é um pouco diferente. Temos de lutar por igualdade. O surdo é um profissional capaz.
- Como é a sua relação com as pessoas, na sua área de atuação?
Algumas pessoas se assustam quando me veem usando LIBRAS. Eu explico que é uma língua igual português ou inglês. Fiz contato com uma organização civil internacional e descobri que existem aqui outros surdos, de outros países, que são profissionais, motoristas por exemplo… Não só de carros pequenos, mas de ônibus também. É uma boa interação.
- O surdo é considerado um deficiente, embora tenha revelado eficiência nos esportes, nas artes e em várias outras áreas. Comente.
O surdo precisa se esforçar, pesquisar, estudar, ter objetivo, ter segurança no que está fazendo, para provar que ele é capaz. Em todas as áreas é necessário respeito pelos direitos humanos. A área da aviação civil precisa de acessibilidade, precisa de integração. Porque às vezes a comunicação não é muito boa. Também tem os casos de pilotos ouvintes que perderam a audição por causa do barulho. Tem casos na LATAM, na GOL e na Azul, em que os pilotos foram mandados embora. E aí? Os Direitos Humanos precisam ver isso. Até os pilotos ouvintes sofrem. É muita pressão nos ouvidos, que prejudica inclusive a respiração. Todos precisamos de reconhecimento.
- O fato de ser um piloto surdo representa uma oportunidade de ser inspiração para outros surdos?
Mostro para todos que sou capaz, que estou tentando exercer minha profissão. Tenho conhecimento técnico. Já entreguei toda essa documentação para a justiça. Não está sendo fácil, mas vou continuar lutando pela liberação. As autoridades aqui nos Estados Unidos são rígidas com a questão da segurança. Tudo bem. Mas somos capazes. Só que os surdos daqui nunca lutaram por essa questão da aviação. Mas eu sou brasileiro e não desisto fácil. Eu tenho garra, tenho luta. Não posso desistir.
- Como está a sua carreira e quais são seus planos para o futuro?
Eu registrei tudo em cartório. Parece que os surdos se animaram, me apoiaram, fizeram passeatas. Foi muito legal. Fiquei empolgado. O surdo é capaz; dirige carro, ônibus, é inteligente. Tenho planos para o futuro. A torre de comunicação pode buscar adaptações. Acredito que vou conseguir pilotar profissionalmente.
- E o apelido “João Avião”, como surgiu?
Eu lembro que foi ainda em Maceió, no Aeroclube. Alguns amigos brincavam, me chamando de João Avião. Eu gostei e aceitei. Depois que fui para Porto Alegre, tive professores surdos que me chamavam de João Avião também. Eu gostava. Aceitei o apelido.
- Que mensagem você deixaria para os surdos?
No Brasil, o surdo precisa aprender o português. Eu aconselho muito isso. É difícil, mas o surdo é inteligente. Minha família sempre falava que, se eu queria ser piloto surdo de avião, eu teria de me esforçar. Teria que ter preocupação com a seguranças das pessoas, porque é muito diferente de dirigir um carro. Eu sei que preciso passar essa minha experiência para os surdos. Eles me admiram, aprendem comigo. Mas eu falo que é preciso muita paciência, porque cada surdo tem seu próprio processo de desenvolvimento.
- O que você achou da SignumWeb?
Eu gostei muito da SignumWeb. Achei muito legal. O Brasil precisa muito disso. Precisa demais! Pensei que o Brasil estivesse atrasado e que só os EUA tivessem avançado nessa tecnologia. Até 2016, não tinha SignumWeb. Parabéns, divulguem muito para todos os surdos! Nós somos muito desconfiados. Demoramos para aceitar essas novidades. Então é preciso romper essa barreira. Não desistam, lutem! Precisam divulgar. É importante. Quanto mais acessibilidade, melhor!
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eu quero sabe proibido trabalhar os surdos , marinha do brasil
Existem restrições, sim! Mas o surdo João avião está provando que é possível surdo pilotar.
também ou aeronáutica
O surdo pode trabalhar em qualquer lugar que esteja habilitado. Mas a sociedade ainda tenta impor limites. Vamos provando para a sociedade que o surdo é capaz!
Temos dados de surdos com formação universitaria no Brasil? quantos? profissões? ?Isso ajudaria muito proporcionar cursos extras para surdos.
Excelente pergunta! Infelizmente não encontramos esses dados no último censo IBGE. Vou continuar pesquisando