A atriz global surda Maria Otávia Cordazzo saiu de sua cidade, Blumenau – SC, rumo à São Paulo – para estudar interpretação com o diretor Wolf Maia. Atualmente morando no Rio de Janeiro, ela fez sua estreia na TV na última novela das 18h exibida pela Rede Globo, “Tempo de Amar”. Na trama, que se passava nos anos 1920, Maria Otávia interpretou a vedete Aline, que trabalhava no cabaré Maison Dorée, da proprietária Madame Lucerne (Regina Duarte). Conversamos com a global e trazemos a entrevista na íntegra. Confira!
1- Conte um pouco da sua história. Como descobriu a surdez, como sua família lidou com isso, quais barreiras teve que enfrentar?
Eu perdi a audição devido a fortes antibióticos que tomei ao nascer prematura, com 5 meses e meio de gestação. Fui submetida a um rígido tratamento que destruiu minhas células sensoriais. Através do exame de audiometria, é considerada pessoa com deficiência auditiva aquela que apresente perda bilateral, parcial ou total de quarenta e um decibéis ou mais. No meu caso, o exame apontou perda bilateral: 85 decibéis na orelha esquerda e 65 decibéis na orelha direita. Sem o uso do aparelho, não escuto praticamente nada! Existem as classificações de deficiência leve, moderada, acentuada, severa e profunda. Meu caso se enquadra na deficiência severa. Aos 4 anos de idade fui diagnosticada e minha família me deu todo o suporte necessário para que eu tivesse a melhor qualidade de vida possível. Sempre frequentei fonoaudiólogos para me expressar bem. As barreiras enfrentadas foram muitas, pois tudo que é diferente aos olhos dos outros assusta, não é mesmo? Mas a gente tira de letra!
2- Quais os reflexos positivos e também negativos derivados do fato de ser surda?
O reflexo positivo é a sabedoria que adquiri para o enfrentamento dos problemas, pois desde criança tive que saber lidar com certas situações e sempre saí vitoriosa. Nunca fui impedida de nada pelo fato de ser surda, já que sempre tive convicção das minhas ideias. O fato negativo é o velho preconceito que existe para os surdos, pois somos minoria, e todas as minorias sofrem algum tipo de rejeição.
3- Que tipo de aparelho você usa? É um implante coclear? Como o fato de ser oralizada ajudou?
Eu não tenho implante coclear! Já fui ao fonoaudiólogo ver sobre, mas disseram que não terei muitos “ganhos” com o implante. Pois já me adaptei bem com os aparelhos auditivos. Mas quem sabe no futuro…
4- Como você lida com a surdez? Você teve que enfrentar preconceito?
Eu posso dizer que minha forma de lidar com a surdez é tranquila. Na infância, meu convívio com as crianças da minha idade era praticamente normal, pois nessa idade as crianças não julgam o que é ser fora do ‘normal’. Já na adolescência, percebi certo um preconceito mesmo. Por muitas vezes eu não era chamada para fazer trabalhos em grupos, pois alguns alunos duvidavam da minha capacidade intelectual, devido ao fato de eu ser deficiente auditiva. Alguns profissionais da área da educação gritavam comigo e não é necessário isso, pois o deficiente auditivo faz a leitura labial, basta falar de frente. Seria imprudente eu falar que não existe preconceito contra o surdo, ele existe sim!
5- Como começou a sua história no mundo da dramaturgia?
Desde pequena eu brincava de teatro com minhas amigas, imitava as personagens de novela, criava cenários. Meus pais tinham um estabelecimento gastronômico no Parque Beto Carrero World, em Penha – SC. Eu cresci vendo os artistas circenses e aquilo me deixava encantada. Sou graduada em Gastronomia pela Universidade do Vale do Itajaí, mas nunca quis trabalhar no ramo. O desejo de contracenar sempre esteve forte em mim! É algo que amo e pretendo seguir sempre. Mesmo com a deficiência auditiva, eu resolvi seguir em frente e quebrar barreiras. Se tenho alguma certeza na vida é a que eu pretendo continuar nesta profissão. No ano passado, havia feito um teste para a novela “A Força do Querer”, da Rede Globo; iria fazer uma pequena participação no final. Mas, nesse tempo, fui chamada pelo diretor Jayme Monjardim para um outro teste, que seria a Aline, uma vedete que trabalhava na Maison Dorée, cuja proprietária era Madame Lucerne, vivida por Regina Duarte na novela “Tempo de Amar”, também da Rede Globo. Tive que optar e decidi fazer a vedete Aline, pois iria participar de toda a trama. Foi uma experiência fantástica!
6- Como é a relação com os colegas atores e com a mídia?
Minha relação com os colegas é absolutamente normal. Tenho amigas de infância que mantenho até hoje, muitas vem me visitar no Rio de Janeiro, local que resido agora devido à logística de cursos e gravações. A relação com a mídia também é tranquila. Eu quero mesmo é fazer o que gosto. Não busco a fama e sim uma realização pessoal através das artes. O sucesso será consequência disso. Afinal, todos aqueles que despontam em suas profissões fazem sucesso, como médicos, esportistas, chefs de cozinha, entre outras.
7- O surdo é considerado um deficiente, embora tenha revelado eficiência nos esportes, nas artes e em várias outras áreas. Comente.
Apesar de ser considerado um deficiente, eu enxergo que o surdo, por muitas vezes, é bem mais capaz que muitos ouvintes por aí. Temos vários exemplos nos esportes, nas artes, na medicina, enfim. Temos que mostrar aos outros que sim, temos capacidade de nos destacar em quaisquer áreas. É preciso parar com esse preconceito de que somos inferiores aos demais!
8- O fato de ser famosa representa uma oportunidade de ser inspiração para outros surdos?
Sim, inclusive recebo várias mensagens de surdos de todo o Brasil que me incentivam a continuar. E muitos deles falam que se espelham em mim para seguir com seus objetivos. Eu fico muito orgulhosa de estar sendo exemplo para milhares de pessoas. Até mesmo ouvintes que se encontram desanimados falam que sou um exemplo de dedicação e foco. Eu pretendo ser porta voz desta causa: a surdez!
9- Como está a sua carreira e quais são seus projetos para o futuro?
Eu acabei de gravar um clipe musical para o cantor sertanejo Henrique Gonçalves. A música se chama “Cadeado” e será brevemente lançada no país. Fora isso, estou estudando projetos que ainda tenho que manter em segredo, mas em breve virão novidades!
10- Que mensagem você deixaria para os surdos?
A mensagem que eu quero deixar é que nunca se sintam diminuídos pela deficiência auditiva. Todo ser humano tem problemas durante a vida que precisam de paciência e fé para ultrapassar. Conosco não é diferente! Precisamos sempre seguir.
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